17 de dezembro de 2007

A música ecoa nas colunas mas nem tomo a atenção ao que está a dar, tal é a concentração com que estou a trabalhar, digamos que estou entretido a trabalhar, que é uma forma menos chata de se dizer que estou a trabalhar.

De repente, oiço, ao longe, a sua voz forte a chamar-me, a pedir a minha atenção por um momento. Saio da cadeira, tenho mais um ataque de tosse que nestes dias me persegue como se fosse algo já meu, e chego ao pé dele com a expectativa do que me vai dizer :

" Sabes, o Artur do Antendimento ? " - pergunta-me com voz triste.
" Sei, o meu amigo Artur. " - acrescento eu, sorrindo.
" Eh pá, o João Miguel disse-me, mas olha que isto não se pode falar lá na sede, que ele tem cancro...nos pulmões...uma pessoa tão educada, tão simples...ah, e nunca fumou na vida dele. "

" Nunca fumou na vida dele", essa frase fica-me na memória enquanto olho para o cinzeiro cheio de cigarros apagados de quem me deu a noticia. Uma frase assim dita daquela maneira tão cruel. Como a vida é irónica. E injusta, sim, muito injusta.

Pensei nele, e recordei-me daquilo que eu conheço melhor, da sua voz aveludada e quente sempre simpática e disponível para ajudar, na sua afirmação quando percebia que era eu que estava no outro lado do telefone

( - Então, como vais, meu malandreco ? )

enquanto eu me desfazia em sorrisos e perguntava-lhe se estava tudo bem com ele.

Recordei-me de o convidar para um almoço juntos e mostrar-lhe a cidade, os seus segredos e os cantos onde me perco

( - Então, quando vem ao Porto ? Tem de provar as francesinhas ?
- Eiiiii...Aos anos que não vou aí. Francesinhas ? Que é isso ?)

e eu explicava-lhe o que era, que a francesinha só é boa se estivéssemos acompanhado por loirinhas e ele dizia

( - olha que malandreco, tu me saíste. Por loirinhas ?
- bem, eu falava das loirinhas, mas daquelas que é de beber, mas eu não me importava de estar acompanhada por outras loirinhas que fala. Afinal, nesta história, estou a ver que o malandro não sou eu . )

e sorriamos os dois juntos como se fôssemos duas crianças.

Recordo-me de estarmos um bocado a falar da nossa vida, dos seus filhotes, da sua terra natal tão longe no mapa, mas sempre perto do coração, de me dizer que aquilo era lindo, que tinha imensas saudades de lá, do calor tropical, da comida maravilhosa, de tudo

( - Um dia que possas vai lá. Cabo Verde é lindo, sairás mais inspirado. Sonho, um dia, ir para lá.)

e eu sonhava juntamente com ele como se o sonho também me pertencesse.

Recordo-me daquela manhã de calor sufocante que o vi pela primeira, e única, vez, entrei no gabinete acompanhado do chefe, senti logo o carinho de todos e ele deu-me um abraço especial.

( - Então, malandreco. Vieste conhecer a malta ? )

ele piscava-me o olho, eu sorria timidamente com tanta atenção centrada em mim, nem sabia o que lhe dizer.

Recordei-me de vários diálogos a dois antes de passarmos para os assuntos de trabalho, dos conselhos que me dava, das coisas que eu lhe dizia misturadas com um sorriso, o que o levou a apelidar-me, carinhosamente, de " meu malandreco ".

Fiquei mudo perante o que o meu chefe disse, pensei na frase , "...olha que isto não se pode falar na sede ", e senti-me impotente. " Porquê não posso falar nada na sede ?", apeteceu-me perguntar. Porquê não posso perguntar apenas o número de telefone dele para lhe dar apenas uma palavra de força, para voltar a fazer-lhe o convite, ou apenas para voltar a ouvir a sua voz aveludada e cheia de amizade e simpatia.Que terrível vicio de esconder as doenças como se isso fosse algum crime ou um caso de vergonha.

Voltei para o meu lugar triste. Pousei os olhos no telefone e apeteceu-me telefonar logo aos meus outros colegas para saber dele. Mas como será que ele reagia ? Será que não me levará a mal ? Será que não gostaria ? Dúvidas assaltam-me, mas um dia, talvez quando tiver coragem, farei isso e falarei com ele nem que seja para voltar a ouvir a chamar-me por " meu malandreco "

Entretanto, tenho mais um ataque de tosse e penso "que porra de tosse é esta ? Que tosse é esta ? Quero lá saber da tosse, isto não é nada comparado com aquilo que o meu amigo Artur tem."

Estamos sempre a nos queixar, mas temos de pensar que existe alguém sempre pior do que nós, mas que, por vezes, possui uma força maior do que pensamos existir.

Mesmo que saiba que, se calhar, ele nunca irá ler isto apenas digo " força amigo, estarei a torcer por ti, mesmo que seja silenciosamente."

3 comentários:

Célia disse...

Às vezes há coisas assim, que nos deixam quase sem palavras e que nos fazem perceber como às vezes são pequenas e mesquinhas as nossas queixas constantes.
Espero sinceramente que o senhor consiga recuperar desta doença tão horrível.

Anónimo disse...

Dúvidas assaltam-me, mas um dia, talvez quando tiver coragem, farei isso e falarei com ele nem que seja para voltar a ouvir a chamar-me por " meu malandreco "
SABES FIQUEI A PENSAR NESTA TUA FRASE ..E LENBREI ME Q UM DIA PERDI ALGUEM E NAO TIVE TEMPO DE LHE DIZER O QUANTO A AMAVA E Q ERA TUDO PA MIM...PQ AXEI SEMPRE Q QUANDO ELA TIVESSE MELHOR EU TERIA TEMPO DE O FAZER...MAS INFELIZMENTE NAO...TU BEM SABES DO Q FALO DA NOSSA VELHINHA MEIGUINHA...POR ISSO SE TENS ALGO A DIZER OU SE QUERES SABER COMO ESTA NAO ESPERES POR UM DIA...PQ COM ESTAS DOENÇAS ESSE DIA PODE NUNCA CHEGAR!!CONTUDO DESEJO LHE Q ELE CONSIGA SUPERAR ESSE MONSTRO Q E O CANCRO...BJS

Loot disse...

Às vezes são as próprias pessoas que querem esconder a doença, talvez porque seja muito difícil de aguentar todos aqueles olhares de pena sendo preferível pelos breves momentos em que estão com as pessoas sonhar que está tudo normal.

Desejo as melhoras ao teu amigo.

Abraço