18 de janeiro de 2009

25 anos depois...

Original é o poeta

Original é o poeta que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras na cama do romantismo.

Original é o poeta capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta de origem clara e comum
que sendo de toda a parte não é de lugar algum.
O que gera a própria arte na força de ser
só um por todos a quem a sorte faz devorar um jejum.

Original é o poeta que de todos for só um.
Original é o poeta expulso do paraíso
por saber compreender o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes e ferra
em quem tem juízo versos brancos e ferozes.

Original é o poeta que é gato de sete vozes.
Original é o poeta que chegar ao despudor
de escrever todos os dias como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria de ser um homem qualquer.


Soneto de Inês

Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.

Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo por viver demais.

Os teus gestos são verdes
os teus braços são gaivotas
poisadas no regaço
dum mar azul turquesa intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.


José Carlos Ary dos Santos ( 7 de Dezembro de 1937 - 18 de Janeiro de 1984)


Descobri este grande poeta na minha adolescência, na altura onde queremos ver além daquilo que nos mostram e nos querem mostrar. Queremos descobrir uma outra vida atrás desta vida. Ele mostrou-me um país, ensinou-me, através das suas palavras, como se rasgava contra as mordaças de uma ditadura e como se mostra o amor na sua poesia. 25 anos depois, a sua obra ainda é actual e a sua ausència é notada num país onde (quase) tudo parece estar como dantes.

Sem comentários: