"Talvez seja uma palavra gasta. Como cidadania. Como amor. Ou como a velha e, por isso, vilipendiada democracia. O que gasta as palavras não é o excesso de uso, mas a falta de correspondência. O que é o amor, quando não é acto de dádiva? Sem gestos, trabalho, coragem, as palavras secam. O amor dos portugueses pelas palavras é demasiado platónico. Habituámo-nos à beleza das palavras nos livros, uma beleza de folhas secas, outonal, consolação desconsolada do que podia ser mas nunca foi. Vivemos de sonhos e queixumes, alucinados pelo que nos falta e faltando à realidade que os sonhos nos pedem. Adiamos. Adiamo-nos. Dizemos que matamos o tempo e deixamos que o tempo nos mate. Um dia destes, pensamos, vou dizer tudo o que não disse. Vou fazer tudo o que não fiz. Pensamo-lo com raiva e desespero e vontade e paixão, solitários por entre as gentes. Depois respiramos fundo e adiamos. Por medo ou brandura ou nem isso. Coisas mais pequenas: cagaço, moleza. Ou a grande palavra dos países que não souberam crescer: deslumbramento. O lado de fora do servilismo, que é o avesso concreto do civismo. Precisávamos de criar um dicionário novo, onde as palavras reluzissem com o significado que possuíam antes de as usarmos como trampolins para tronos de miseráveis poderes, porque é miserável todo o poder que se serve a si mesmo em vez de servir a melhoria do mundo. "Inês Pedrosa na crónica " A palavra civismo". Ler o resto da crónica aqui. Vale bem a pena.
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