27 de novembro de 2009

Cédula pessoal

Faço perguntas às minhas próprias dúvidas e lembro-me
de um filme antigo quando percebo que não respondem:
silêncio a preto e branco.

Procuro o meu caderno de linhas direitas. Em tempos,
andei na escola e tinha a régua mais bonita da terceira
classe. Era um menino de meias e de calções.

Encontro uma esferográfica sem tampa e sei que sou
o último kamikaze antes da derrota. É sempre assim:
um sentimento trágico oriental sentido a ocidente.

O meu coração está localizado a oeste. Quero invectivar
contra a própria rosa dos ventos que me fez nascer:
multinacional sentimento trágico: milhares de filiais.

Quando começo a anotar as minhas preocupações, tão
importantes apenas para mim, já me esqueci de tudo:
os segredos esconderam-se por trás de um muro.

Restam as metáforas, alinhadas por ordem de presumível
intensidade. Escuto-as no meu walkman tonto e desaprendo
outra vez de ser infeliz.

José Luís Peixoto in Gaveta de papéis

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