21 de abril de 2011

Do amor aos livros à noção de Paraíso

Há quem se vin­cule a um deus com cara de velho ter­rí­vel; outros fazem-​no ao mur­mú­rio intan­gí­vel do patrão ouro; eu, nos dias de hoje, refugio-​me no afecto da minha mulher e em cer­tos livros. Não minto. Para mim, o Paraíso inclui uma bibli­o­teca sem cer­cas de arame far­pado nem arma­di­lhas visí­veis, um ven­tre de baleia para onde algum acaso cari­doso me ati­rou para a eternidade. 
 
Tudo é pó, desejo e silên­cio, e uma luz crua, zeni­tal que con­duz ao Valhalla dos ilus­tra­dos atra­vés de lon­gas esca­das em cara­col. E o cheiro… 

Por­que o cheiro do livro é a quinta-​essência de todos os chei­ros, a geo­gra­fia do herói, o tró­pico da qui­e­tude e dos bos­ques fron­do­sos. Qual­quer livro é pas­sa­gem. Quando abro um volume e aspiro as suas pági­nas, já não estou ali. 

(…) Pode­mos viver sem ler, é ver­dade; mas tam­bém pode­mos viver sem amar: o argu­mento mete água como uma jan­gada con­du­zida por rata­za­nas. Só quem já esteve apai­xo­nado sabe o que o amor nos ofe­rece e tira; só quem já leu sabe se a vida merece a pena ser vivida sem a cons­ci­ên­cia daque­les homens e mulhe­res que nos escre­ve­ram milha­res de vezes antes de ter­mos nas­cido. E que nin­guém sor­ria perante estas linhas. Por uma vez, e sem que sirva de pre­ce­dente, foram escri­tas exclu­si­va­mente a par­tir da emo­ção.

In “O Revi­sor”, de Ricardo Menén­dez Salmón, retirado daqui.

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