15 de abril de 2008

Já sentiram como se alguém estivesse a escrever a vossa vida ? Ou melhor, identificarmos de tal maneira com aquilo que lemos, que mais parece serem os nossos pensamentos, os nossos desejos, as nossas respostas, as nossas dúvidas, que foram transpostos para o papel por outras pessoas ?
Ás vezes não encontramos melhor definição de tudo o que se passa em nosso redor, senão naquela que vemos escritos por outros, parecendo que estamos a ver a nossa vida a ser transcrita através dos seus escritos.

Foi assim que senti quando comecei a ler estes dois autores. Eles vieram até mim, como se fossem alguma atracção cósmica, sem qualquer aviso e quando me encontraram, ou eu os encontrei, ficaram tão entranhados em mim que não os quero largar tão cedo.

O primeiro, foi-me "aconselhado" pelo António Lobo Antunes através duma sua entrevista. O segundo, foi só um reavivar de memória, já tinha lido um livro dele à algum tempo atrás.

O primeiro é poeta, e eu trato ainda a poesia por "você". Trato-a com respeito, com admiração, mas sem confiança, sem me sentir à vontade. Trato a poesia como se quisesse conhecê-la melhor, mas tenho um defeito nessa minha relação com ela, leio demasiado depressa e penso que não saboreio as suas palavras conforme devo saborear. No entanto, com este autor é diferente, a sua poesia diz-me algo logo no imediato, não necessito de reler o poema.

O segundo é contista, mas também não deixa de fazer poesia com as suas prosas. Se um dia enveredasse pelo caminho da escrita, era talvez este género que me sentia mais livre para criar. Tem uma escrita irreverente, simples, directa, com destinatários, sem floreados como muito me agrada.

O primeiro fala da natureza, de filosofia, da poesia, de amor, de viagens. O segundo fala de sentimentos, das relações amorosas, em todas as suas vertentes, da morte, da mulher, de Nova Iorque, enfim, falam os dois da Vida.

Os dois inspiram-me imenso e estão, inconscientemente, a influenciar-me de tal maneira que quero dar um rumo ás frases desconexas que habitam na minha mente. Quero dar-lhes um rumo onde elas possam ter um fim. Bom ou mau, só o tempo dirá. Necessito apenas de tempo, não aquele tempo de minutos disponíveis, mas sim daquele tempo" psicológico", daquela tranquilidade e método para poder criar em paz. E talvez de perceber a influências deles em mim, para não cair no erro da repetição e do plagio, mesmo que inconsciente.

O primeiro escreve coisas como isto, com o titulo de " Tarde de Espera"

" É possível que a tua atitude se resuma a um desejo de alguém que há-de vir;
talvez esperes
que toquem à porta,
ou que os passos no corredor
façam com que te levantes,
e um sorriso se abra
no teu rosto.

O que é possível faz parte da vida,

quando te sentas, sem saber o que fazer,
e só
os pensamentos te ocupam, nesse tempo que perdes
para ganhar todo o tempo do mundo.

Mas
se ninguém chegar, se a casa estiver tão silenciosa
como quando te sentaste, se
a rua estiver tão deserta
que nem vale a pena
ir à janela,
e espreitar a última esquina,
não desesperes.

O que hoje parece soar a vazio,
a solidão que entra pela sala com a luz da tarde,
o brilho estéril dos teus olhos,
tudo se dissipará quando a manhã futura entrar na tua vida,
e as tuas mãos
tocarem o murmúrio transparente da primavera,
jorrando como água
dos lábios que se aproximam dos teus,
e os acordam
para o amor. "

O segundo diz coisas como isto,

" É tão estranha a sensação de não viver. De estar só à espera que aconteça. Olhar para trás e ver que em quase meio ano nada aconteceu. Pelo menos comigo. (...) eu estou em stand by. (...) Como os passageiros à espera de um outro destino naquelas salas de aeroporto que são onde melhor se ouve a solidão de estarmos tão perdidos assim como eu aqui, que por momentos nos transformamos em verdadeiros fantasmas, sem sombra sequer, sem nada. Até acontecer alguma coisa. Vai ter de acontecer alguma coisa. E não acontece."

A minha vida parece que está ali, nas suas respostas, nos seus poemas, nas suas descrições, em tudo, ou melhor, em quase tudo.

O primeiro chama-se Nuno Júdice. O segundo Pedro Paixão.

4 comentários:

Desnorteada disse...

menphis: temos mesmo muito em comum! :) Pedro Paixão é o meu "porto de abrigo" desde que o comecei a ler. Desde que li "Amor Portátil" quando tinha 20 anos. Já devorei quase todos os livros dele e realmente é como dizes: parece que nos descreve a vida toda. Quanto ao Nuno Júdice é, talvez, o melhor poeta dos últimos tempos. Obrigada por partilhares com a malta o poema e este excerto... são muito bons!
Beijinhos

Menphis disse...

desnorteada: porquê não me admiro nada que digas que tenhamos muito em comum ? hehehe...já são tantas coisas :)

e porquê não me admira nada tu gostares de Pedro Paixão? :)

não sabes ? porque tens bom gosto :))

Aliás, a escrita de Pedro Paixão é comparada ao seu " camarada" e "alma gémea na escrita " Miguel Esteves Cardoso, embora a escrita deste seja mais mordaz e irónica.

Do Pedro Paixão, o primeiro livro que li dele foi " Portokyoto" já à algum tempo, agora li " Nos teus braços, morreríamos", mas quero ler mais dele, identifico-me muito com ele.

Quanto ao Nuno Júdice, é mesmo uma descoberta.

Desnorteada disse...

lê o Amor Portátil, Viver todos os Dias Cansa e o Muito, Meu Amor. Adorei! Aliás, eu para ser sincera, gosto deles todos! :D

Eu conheci Nuno Júdice ainda na universidade, fiquei logo "vidrada" nas palvras dele...

Olha este texto:

"PEDRO, LEMBRANDO INÊS

Em que pensar, agora, senão em ti? Tu, que
me esvaziaste de coisas incertas, e trouxeste a
manhã da minha noite. É verdade que te podia
Dizer “ Como é mais fácil deixar que as coisas
não mudem, sermos o que sempre fomos, mudarmos
apenas dentro de nós próprios?” Mas ensinaste-me
a sermos dois; e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide. Mas é isto o amor,
ver-te mesmo quando te não vejo, ouvir a tua
voz que abre as fontes de todos os rios, mesmo
ele que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido
de irmos contra o tempo, para ganhar o tempo
que o tempo nos rouba. Como gosto, meu amor,
de chegar antes de ti para te ver chegar: com
a surpresa dos teus cabelos, e o teu rosto de água
fresca que eu bebo, com esta sede que não passa. Tu:
a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fim do mundo que me deste.
Nuno Júdice

Simplesmente fantástico...

Menphis disse...

desnorteada: do Pedro Paixão quero encontrar um livro onde tem compilado 8 livros dele, incluindo esses que me falaste.

Quanto ao poema que tu deixaste...não há mesmo palavras.Fantástico.